Separadores

notas soltas 1

O apelo dos objectos proibidos tem algo que ver com a sua resistência ao envelhecimento, com essa espécie de impermeabilidade que os liberta de um momento estrito de eclosão e lhes dá eficácia rotativa no abalo aos costumes e ideário dominantes. Para Acabar com o Julgamento de Deus tem em parte esse apelo, mas pode bem ser que a proibição em 1947 deva bastante à sua radical ineficácia. Artaud ter-se-á sentido lesado com o cancelamento da difusão da peça - e justamente, se pensarmos que a concebeu a convite, para um meio concreto e para uma rúbrica de prestígio - mas a descortesia não o impediu de intuir onde foi falho ou difícil. Para o ouvinte da época, como conviviam o erguer de uma tese com uma sucessão de episódios, com um fulgor pícaro? Como conviviam a dicção polida, a ressumar escola, e a sonoplastia desordeira, exótica e improvisada? Não sabemos com certeza. Não quisemos subscrever o que quer que fosse, não temos o dedo em riste no que toca a coisas divinas ou terrenas, e também por isso truncámos o título. Interessou-nos, sim, o intervalo entre o desejado e o conseguido. E temos procurado uma congruência emotiva a que se chegue por linhas tortas e contrastes. O que porventura há de comum entre o que estamos a fazer e o que Artaud conseguiu é um entendimento da inquietude como inteireza.