Separadores

folha de sala

1. Desde Agosto do ano passado até agora foi mais o tempo de imaginar que o de cumprir. Escrevemo-nos tanto quanto era possível e juntámo-nos recentemente, em períodos de trabalho concentrados. Nestes dias em que quase só nos despedimos para dormir, as sínteses surgiram muitas vezes codificadas no que parecia ser diálogo corrente. Dizia-se a respeito de uma parede e de um rodapé, mas sabemos agora que a respeito de tudo: a força da regularidade.

2. Não quisemos separar o que em Artaud nos parece umbilical, a insatisfação profunda com as formas que a arte produz e um mal estar fisicamente percutido, amestrado desde cedo por opiáceos. Também não quisemos ocultar uma das suas maiores contradições: a propalada caducidade de um teatro retórico; a produção de um discurso ritualista com recurso discreto a sequências onomatopaicas e preponderância, afinal, da palavra caduca. Quisemos as duas, numa proporção ligeiramente diferente da que era proposta. Porque a exposição a certos mistérios requer língua e língua.

3. Em La Véritable Histoire d'Artaud le Mômo (1994), documentário de Gérard Mordillat e Jérôme Prieur, há um momento em que alguns amigos próximos reconstituem os aposentos de Artaud em Ivry, na casa de repouso para onde o transferiram em 1946 e onde viria a morrer. Vemos imagens de um pavilhão térreo com uma grande árvore à porta, janelas altas, lareira, a cama ao centro; ouvimos falar de um jardim cercado de bustos e de lírios floridos todo o ano. Dessa parecença de casa, o que mais quisemos reter: no quarto, dois grandes troncos de árvore seccionada e um martelo.



Constança Carvalho Homem, 2013

notas soltas 4.2

Porque não se vê, a página pode existir plenamente no teatro radiofónico em radiofonia - sem carácter acessório de ferramenta, mas como constituinte manifesto numa grande permeabilidade à palavra lida. No transporte para a cena, a página só é tolerável como memória. Lido em cena, o teatro radiofónico é, no pior dos sentidos, teatral.